Foi com um sorriso rasgado que Armando Oliveira nos abriu as portas da Igreja de São Sebastião para nos falar um pouco mais sobre as Festas de Nossa Senhora do Rosário de Tróia.
Emociona-se ao falar da fé das pessoas que o rodeiam e no legado que lhe foi confiado pela segunda vez consecutiva à cabeça da direção nacional do Apostolado do Mar - Stella Maris que dirige desde 2017.
Em Setúbal, é responsável pela Comissão de Festas de Nossa Senhora do Rosário de Tróia e, apesar do cansaço, não perde o entusiasmo e o brio em fazer desta festividade um ponto de encontro das gentes do mar.
Confessa que este é um movimento bastante envelhecido e que têm dificuldade em agregar jovens para assegurar os anos vindouros. Por um lado, já são poucos os que decidem enveredar por profissões ligadas ao mar e, por outro lado, esta é tarefa de grande trabalho, pois o Stella Maris vai desde Vila Praia de Âncora até à Fuzeta.
Mantém viva esta tradição que entrelaça ofícios de alto risco ligados ao mar e à espiritualidade: cada ano são centenas de pescadores e famílias que vêm pagar promessas e agradecer por terem sobrevivido às ondas e tempestades que maltratam os flancos das embarcações.
Reza a lenda que as naus, no século XVI, carregadas de pedra para lastro, atracavam junto à Arrábida para descarregar, mas, certo dia, devido a um grande vendaval, o capitão decidiu atravessar o delta e abrigar-se em Tróia. Infelizmente a embarcação naufragou, mas a imagem de Nossa Senhora que ainda hoje é a original permaneceu à tona. O acidente, tendo ocorrido a uma milha náutica da costa, permitiu à imagem, que é constituída de madeira maciça, flutuar até ser apanhada por um pescador. A nau, cujos destroços continuam no fundo do mar, tinha sido batizada de “Rosário”, nome que ficou eternizado pela nomenclatura da festa.
O programa estende-se ao longo de uma semana. Inicia-se com um tríduo em honra da padroeira e dos marítimos que já pereceram, na Igreja de São Sebastião. Depois da missa solene, segue-se procissão pela cidade com os andores majestosamente ornamentados com plantas e flores, até ao Cais das Fontaínhas. Com a imagem de Nossa Senhora do Rosário na proa de um dos barcos, soam as buzinas e num frenesim de alegria rumam até à Caldeira de Troia, onde os festeiros acampam.
As festividades junto ao areal incluem cerimónias religiosas e populares, com bailes e o fogo de artifício.
Também se realiza a icónica caça ao pato, tradição pagã associada a esta festa.
É pelos areais da caldeira que, na manhã de domingo, após a eucaristia, decorre uma procissão onde muitos dos presentes desejam pagar as suas promessas.
O regresso das embarcações engalanadas a Setúbal, escoltando a imagem da Senhora, constitui outro dos pontos altos das festas. No percurso, inclui-se uma passagem frente à fortaleza de Santiago do Outão, onde está sediado o hospital ortopédico, e onde é feita a bênção dos doentes. Segue-se a chegada ao cais dos pescadores onde milhares de setubalenses aguardam o desfilar das embarcações ao ritmo da banda.
Estas festividades têm a particularidade de estar tributárias das marés favoráveis, pois a caldeira só se encontra acessível aos barcos nas marés cheias. Este ano, as datas serão de 19 a 21 de agosto.
Outra tarefa difícil e desempenhada logo a partir do mês de maio consiste no levantamento de fundos. Apesar da simplicidade que lhe confere a beleza, esta festa só é possível graças ao apoio das câmaras municipais de Setúbal e de Grândola, bem como à Junta de Freguesia de São Sebastião e União das Freguesias de Setúbal, além de comerciantes e devotos que em cada ano angariam os recursos financeiros necessários à sua realização.
A União das Freguesias de Setúbal, ciente da unicidade e valor desta tradição da comunidade piscatória setubalense, apoia empenhadamente a organização, contribuindo para manter viva a tríade de tradições marítimas constituída pela Festa do Senhor Jesus do Bonfim, o Novo Círio de Nossa Senhora da Arrábida e as Festas de Nossa Senhora do Rosário de Tróia.